O jogo não é felicidade
21-12-2020 14:18
A minha última aposta foi quarta-feira, 5 abril 2017, logo após o meio-dia. Para mim, é importante recordar a minha última aposta e recordar a dor que estava a sentir. E para me lembrar de como estava desesperado. Naquele último dia de jogo - senti-me muito isolado, como um náufrago numa ilha deserta. Não conseguia ver um futuro, e não tinha esperança. Acreditava que era um caso sem esperança, um zé-ninguém.
No entanto, graças ao meu presente, foi com o desespero que senti nesse dia, que finalmente consegui parar, levantar as mãos para cima e entreguei-me. Estava constantemente em sofrimento emocional, mental e até físico. Como se estivesse a receber pinos e agulhas nos braços; palpitações cardíacas, um nó no estômago, grande tensão nas costas e pescoço - tudo causado pelo stress de ser um jogador compulsivo, uma pessoa realmente doente.
Tinha partido a minha vida em cacos, em pedaços com muitas horas, dias, semanas e meses implacáveis de apostas e jogos de azar. Estava entorpecido. Assim, a 6 de abril de 2017, contei à minha mulher toda a extensão da minha adição. Não aguentava mais.
Ela fez-me um ultimato, e por isso juntei-me às reuniões JA, cerca de vinte e quatro horas após a minha última aposta. Entrei na reunião com o “rabo
entre as pernas”. Felizmente, fui recebido de volta de braços abertos. Não era um estranho para JA. A partilha e a identificação eram garantias de autoajuda. No fundo, eu tinha fé que as reuniões funcionariam, embora eu reconhecesse que o Programa só funcionaria se eu trabalhasse para isso, indo a muitas reuniões e trabalhando no programa de recuperação e me aconselhasse com um padrinho ou com membros mais experientes. Eu fiz cada uma dessas coisas, e ainda hoje uso cada uma dessas sugestões.
A minha experiência de jogo começou quando eu era muito jovem. Aos cinco ou seis anos de idade, já brincava com jogos de tabuleiro e máquinas de brindes. Durante toda a minha infância, estive num ambiente de jogos - quer eu estivesse com a minha família a jogar às cartas, a visitar salas de bingo, no café ou no bar ou na diversão da noite, sempre encontrava um passatempo com jogo, um bilhar, etc. O jogo estava à minha volta desde uma idade precoce. Continuei a jogar durante toda a minha adolescência, mas neste momento, ainda não se tinha tornado um problema. No entanto, o meu jogo iria tornar-se um problema por volta dos vinte anos – quando me tornei independente. Nessa altura a minha liberdade era total e cedo comecei a perder o controlo. Um dia em particular, há uns anos, lembro-me de ganhar em grande quantia com uma aposta desportiva de muita sorte. Foi a minha maior vitória de sempre até essa data, o equivalente a duas semanas de salário. Fiquei com o bolso cheio de dinheiro. Senti-me incrível; eu era o Homem, ou seja, eu venci. Este pensamento e alegria não iria durar.
Os meus dois pensamentos imediatos depois daquela grande vitória foram: "porque não pus mais dinheiro naquilo" e "Eu poderia fazer disto um modo de vida - é dinheiro fácil". De imediato, eu queria mais. Não era o suficiente. Que pensamentos perigosos, provaram ser estes.
Muito rapidamente, o meu grande plano tornou-se o maior dos problemas: passado cerca de um ano, estava todo o dia, todos os dias, na loja de apostas. Por vezes ganhava, mas como com todos os apostadores compulsivos, sempre ia apostar os ganhos e devolvê-los por fim.
Para começar, eu estava a apostar o meu salário, mas muito rapidamente, estava a contrair empréstimos, cartões de crédito, e pedir emprestado a amigos, roubando ao Pedro para pagar ao Paulo, por assim dizer.
Eu estava numa confusão financeira e a minha cabeça também; uma confusão absoluta! Chegou a um ponto limite, sem margem:
- Não sabia como parar.
- Tinha ficado fora de controlo.
- Estava a perder mais do que podia pagar.
- O meu jogo estava a controlar-me.
- Estava a ser consumido pelo jogo.
- Algo que começava por ser agradável, agora era doloroso; eu parei de desfrutar.
Embora eu reconheça que ainda estava provavelmente a receber um frio na espinha ou alguma adrenalina, fora dele, eu queria parar. Só não sabia como o fazer.
Estava a mentir à minha mulher, família e amigos sobre o porquê de não ter dinheiro, dizendo estar constantemente a trabalhar. Estava irritável, e estava zangado. Estava a ficar impaciente, a toda a hora. Para além de perder o meu dinheiro, também estava a perder a cabeça.
Assim, após muitas tentativas falhadas de parar de jogar por minha conta, encontrei na internet os Jogadores Anónimos com reuniões frequentes em Lisboa e decidi frequentá-las em 2017.
Assisti às reuniões JA durante seis meses e consegui alguma abstinência por minha iniciativa. Depois de pensar ter encontrado a cura, deixei de assistir às reuniões e rapidamente comecei a jogar novamente, com a recaída a ser pior do que antes. Este processo constante aconteceu durante os 2 anos seguintes, 2018 e 2019.
Foi um ciclo interminável de; ir a reuniões, abster-se, deixar de participar, seguida de uma recaída mais significativa. De novo, e de novo; reuniões, abstinência, deixar de comparecer e depois outra mais proeminente e mais desastrosa recaída. Este ciclo continuou até 5 de janeiro deste ano 2020.
Hoje posso dizer com orgulho que participo em reuniões regulares e que aderi a um programa de vida e de recuperação. Sinto-me forte. As principais diferenças do hoje em dia para o passado de jogo, são:
- Hoje participo em 2 reuniões por semana.
- Presto serviço, mesmo algo simples como atender uma chamada de um companheiro, ou assumindo outra posição de serviço.
- Trabalho com a minha madrinha em JÁ ao longo dos 12 passos.
- Escrevo uma lista diária de agradecimento - de 5 a 10 coisas.
- Tento meditar diariamente.
- Tento telefonar diariamente a outros membros.
- Rezo por um dia limpo e sereno.
- Digo obrigado por 24h de abstinência e liberdade.
- Apadrinho e ajudo a guiar outros através dos doze passos da recuperação.
- Faço exercício regularmente.
Estas são apenas algumas das sugestões de melhoramento que me foram dadas pelo programa espiritual da Irmandade JA.
Hoje esforço-me por mergulhar na recuperação e tento nunca estar na minha zona de conforto. Ao implementar as sugestões diárias e os doze passos, eu aprendi muito sobre mim mesmo. Estou consciente dos meus defeitos e também dos meus pontos fortes, que que todos temos. Para mim, o programa ajuda-me a melhorar a minha consciencialização, e serve como um programa de desenvolvimento pessoal. Além disso, é tudo de graça, não custa nada ser um jogador anónimo em recuperação! Tento simplesmente tomar medidas, fazendo as sugestões diárias que me são dadas pela minha madrinha do programa.
Felizmente, hoje em dia, posso considerar os meus sentimentos, e posso viver com os meus sentimentos ou emoções ou colocá-los no papel. Não tenho mais de fugir deles. Agora reconheço porque apostei; o jogo mudou o modo como eu me sinto. Deu-me uma nuvem de ilusões. Era um zumbido, borboletas no estômago, excitação e nervosismo que derivam da antecipação que tudo iria correr mal, mais tarde ou mais cedo, era uma armadilha mental. A diferença hoje em dia é que eu agora compreendo e reconheço que o meu jogo teve gravíssimas consequências. Nunca soube quando parar.
Portanto, hoje escolho não começar; não posso ter a segunda aposta se não tiver a primeira. Uma aposta é de mais e mil não chegam.
Hoje aceito que este é um vício imerso em sentimentos e emoções. Graças às reuniões e ao programa de recuperação que JÁ me proporcionou, eu posso gerir e lidar melhor com os meus sentimentos e emoções. Eu lido com a vida, mas nos termos e condições que a própria vida exige. Agora não corro para uma loja de apostas para procurar o que não existe ou para fugir do que tenho de enfrentar.
Peço a todos os que estão a lutar; por favor não aceitem esperar 5, 10 ou 15 anos de sofrimento para encontrar e começar a trabalhar no programa dos doze passos. Este funciona verdadeiramente, é um programa para viver e é para a vida inteira.
Graças a JA.
Esperança e força para todos.
Diogo S. (T.Vedras)
O meu nome é Diogo, e sou um jogador compulsivo.
A minha última aposta foi quarta-feira, 5 abril 2017, logo após o meio-dia. Para mim, é importante recordar a minha última aposta e recordar a dor que estava a sentir. E para me lembrar de como estava desesperado. Naquele último dia de jogo - senti-me muito isolado, como um náufrago numa ilha deserta. Não conseguia ver um futuro, e não tinha esperança. Acreditava que era um caso sem esperança, um zé-ninguém.
No entanto, graças ao meu presente, foi com o desespero que senti nesse dia, que finalmente consegui parar, levantar as mãos para cima e entreguei-me. Estava constantemente em sofrimento emocional, mental e até físico. Como se estivesse a receber pinos e agulhas nos braços; palpitações cardíacas, um nó no estômago, grande tensão nas costas e pescoço - tudo causado pelo stress de ser um jogador compulsivo, uma pessoa realmente doente.
Tinha partido a minha vida em cacos, em pedaços com muitas horas, dias, semanas e meses implacáveis de apostas e jogos de azar. Estava entorpecido. Assim, a 6 de abril de 2017, contei à minha mulher toda a extensão da minha adição. Não aguentava mais.
Ela fez-me um ultimato, e por isso juntei-me às reuniões JA, cerca de vinte e quatro horas após a minha última aposta. Entrei na reunião com o “rabo
entre as pernas”. Felizmente, fui recebido de volta de braços abertos. Não era um estranho para JA. A partilha e a identificação eram garantias de autoajuda. No fundo, eu tinha fé que as reuniões funcionariam, embora eu reconhecesse que o Programa só funcionaria se eu trabalhasse para isso, indo a muitas reuniões e trabalhando no programa de recuperação e me aconselhasse com um padrinho ou com membros mais experientes. Eu fiz cada uma dessas coisas, e ainda hoje uso cada uma dessas sugestões.
A minha experiência de jogo começou quando eu era muito jovem. Aos cinco ou seis anos de idade, já brincava com jogos de tabuleiro e máquinas de brindes. Durante toda a minha infância, estive num ambiente de jogos - quer eu estivesse com a minha família a jogar às cartas, a visitar salas de bingo, no café ou no bar ou na diversão da noite, sempre encontrava um passatempo com jogo, um bilhar, etc. O jogo estava à minha volta desde uma idade precoce. Continuei a jogar durante toda a minha adolescência, mas neste momento, ainda não se tinha tornado um problema. No entanto, o meu jogo iria tornar-se um problema por volta dos vinte anos – quando me tornei independente. Nessa altura a minha liberdade era total e cedo comecei a perder o controlo. Um dia em particular, há uns anos, lembro-me de ganhar em grande quantia com uma aposta desportiva de muita sorte. Foi a minha maior vitória de sempre até essa data, o equivalente a duas semanas de salário. Fiquei com o bolso cheio de dinheiro. Senti-me incrível; eu era o Homem, ou seja, eu venci. Este pensamento e alegria não iria durar.
Os meus dois pensamentos imediatos depois daquela grande vitória foram: "porque não pus mais dinheiro naquilo" e "Eu poderia fazer disto um modo de vida - é dinheiro fácil". De imediato, eu queria mais. Não era o suficiente. Que pensamentos perigosos, provaram ser estes.
Muito rapidamente, o meu grande plano tornou-se o maior dos problemas: passado cerca de um ano, estava todo o dia, todos os dias, na loja de apostas. Por vezes ganhava, mas como com todos os apostadores compulsivos, sempre ia apostar os ganhos e devolvê-los por fim.
Para começar, eu estava a apostar o meu salário, mas muito rapidamente, estava a contrair empréstimos, cartões de crédito, e pedir emprestado a amigos, roubando ao Pedro para pagar ao Paulo, por assim dizer.
Eu estava numa confusão financeira e a minha cabeça também; uma confusão absoluta! Chegou a um ponto limite, sem margem:
- Não sabia como parar.
- Tinha ficado fora de controlo.
- Estava a perder mais do que podia pagar.
- O meu jogo estava a controlar-me.
- Estava a ser consumido pelo jogo.
- Algo que começava por ser agradável, agora era doloroso; eu parei de desfrutar.
Embora eu reconheça que ainda estava provavelmente a receber um frio na espinha ou alguma adrenalina, fora dele, eu queria parar. Só não sabia como o fazer.
Estava a mentir à minha mulher, família e amigos sobre o porquê de não ter dinheiro, dizendo estar constantemente a trabalhar. Estava irritável, e estava zangado. Estava a ficar impaciente, a toda a hora. Para além de perder o meu dinheiro, também estava a perder a cabeça.
Assim, após muitas tentativas falhadas de parar de jogar por minha conta, encontrei na internet os Jogadores Anónimos com reuniões frequentes em Lisboa e decidi frequentá-las em 2017.
Assisti às reuniões JA durante seis meses e consegui alguma abstinência por minha iniciativa. Depois de pensar ter encontrado a cura, deixei de assistir às reuniões e rapidamente comecei a jogar novamente, com a recaída a ser pior do que antes. Este processo constante aconteceu durante os 2 anos seguintes, 2018 e 2019.
Foi um ciclo interminável de; ir a reuniões, abster-se, deixar de participar, seguida de uma recaída mais significativa. De novo, e de novo; reuniões, abstinência, deixar de comparecer e depois outra mais proeminente e mais desastrosa recaída. Este ciclo continuou até 5 de janeiro deste ano 2020.
Hoje posso dizer com orgulho que participo em reuniões regulares e que aderi a um programa de vida e de recuperação. Sinto-me forte. As principais diferenças do hoje em dia para o passado de jogo, são:
- Hoje participo em 2 reuniões por semana.
- Presto serviço, mesmo algo simples como atender uma chamada de um companheiro, ou assumindo outra posição de serviço.
- Trabalho com a minha madrinha em JÁ ao longo dos 12 passos.
- Escrevo uma lista diária de agradecimento - de 5 a 10 coisas.
- Tento meditar diariamente.
- Tento telefonar diariamente a outros membros.
- Rezo por um dia limpo e sereno.
- Digo obrigado por 24h de abstinência e liberdade.
- Apadrinho e ajudo a guiar outros através dos doze passos da recuperação.
- Faço exercício regularmente.
Estas são apenas algumas das sugestões de melhoramento que me foram dadas pelo programa espiritual da Irmandade JA.
Hoje esforço-me por mergulhar na recuperação e tento nunca estar na minha zona de conforto. Ao implementar as sugestões diárias e os doze passos, eu aprendi muito sobre mim mesmo. Estou consciente dos meus defeitos e também dos meus pontos fortes, que que todos temos. Para mim, o programa ajuda-me a melhorar a minha consciencialização, e
serve como um programa de desenvolvimento pessoal.
Além disso, é tudo de graça, não custa nada ser um jogador anónimo em recuperação!
Tento simplesmente tomar medidas, fazendo as sugestões diárias que me são dadas pela minha madrinha do programa.
Felizmente, hoje em dia, posso considerar os meus sentimentos, e posso viver com os meus sentimentos ou emoções ou colocá-los no papel. Não tenho mais de fugir deles. Agora reconheço porque apostei; o jogo mudou o modo como eu me sinto. Deu-me uma nuvem de ilusões. Era um zumbido, borboletas no estômago, excitação e nervosismo que derivam da antecipação que tudo iria correr mal, mais tarde ou mais cedo, era uma armadilha mental. A diferença hoje em dia é que eu agora compreendo e reconheço que o meu jogo teve gravíssimas consequências. Nunca soube quando parar.
Portanto, hoje escolho não começar; não posso ter a segunda aposta se não tiver a primeira. Uma aposta é de mais e mil não chegam.
Hoje aceito que este é um vício imerso em sentimentos e emoções. Graças às reuniões e ao programa de recuperação que JÁ me proporcionou, eu posso gerir e lidar melhor com os meus sentimentos e emoções. Eu lido com a vida, mas nos termos e condições que a própria vida exige. Agora não corro para uma loja de apostas para procurar o que não existe ou para fugir do que tenho de enfrentar.
Peço a todos os que estão a lutar; por favor não aceitem esperar 5, 10 ou 15 anos de sofrimento para encontrar e começar a trabalhar no programa dos doze passos. Este funciona verdadeiramente, é um programa para viver e é para a vida inteira.
Graças a JA.
Esperança e força para todos.
Diogo S. (T.Vedras)
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